Li um artigo na revista Lola, publicada em julho de 2013, que julguei bacana e fiz questão de compartilhar. Digitei cada palavrinha já que não encontrei tal texto na íntegra na internet. É claro, que você terá algumas discordâncias, como eu tive. Em alguns pontos, o autor Luiz Felipe, pega pesado. Mas serve de reflexão! Sugiro leitura.
Uma raça de
mimados (por Luiz Felipe Pondé, revista Lola, julho 2013)
Como seremos lembrados? Como os
habitantes da era dos chorões. Não conseguimos viver com as frustrações – e viver
é se frustrar. Criamos uma sociedade do conforto que tem como marca a ideia de
que temos “direito à felicidade”. Mas felicidade é com antidepressivo. Quanto mais,
menos efeito.
No futuro, não
vão se lembrar de nossa época como a era das tecnologias da informação porque o
que temos hoje será mais parecido com ferramentas do neolítico. Aliás, sempre
digo para todo o mundo que acha a nossa época o máximo: “Você deveria estudar
um pouco de Pré-História!”. Estamos por aqui há muito, muito, muito, mas muito
tempo e, comparada a esse tempo, nossa “vidinha”com nossos sonhos e ferramentas
é um nada. Conhecer um pouco de Pré-História nos ajuda a colocar um pouco de
perspectiva nessa ânsia de sermos celebridades cósmicas. E quem sabe assim
paramos um pouco de ter esse hábito brega de sempre nos achar o topo da cadeia
alimentar ou ficar passando atestado de bobo, achando iPhones uma coisa “revolucionária”.
Revolucionária foi o fogo e a imprensa de Gutemberg. De lá pra cá, é só mais do
mesmo. Só gente mal informada acha nossa época “revolucionária”. Pensar assim
em relação à história é como achar Miami o máximo.
Como seremos
lembrados? Como os habitantes da era do ressentimento, porque hoje em dia somos
todos chorões. Não conseguimos viver com frustrações, e viver é se frustrar. Somos
uma raça de mimados.
Quer ver? Se
alguém disser que hoje as crianças são mais rápidas, cuidado, você está diante
de alguém que delira. Hoje em dia, os jovens se buscam em Barcelona até os 30
anos, enquanto no neolítico (uns 15 mil anos atrás) crianças já caçavam e
corriam de predadores com 4 ou 5 anos de idade. Quem é mais rápido? Quem usa
iPad e brinca de se procurar eternamente ou quem tem que se esconder ou vira
comida de alguma fera faminta real – e não virtual?
Enfim,
vivemos na sociedade do conforto, e a marca dessa sociedade é a ideia de que
temos “direito à felicidade”. A sociedade do conforto fará de todos nós uns (...)
alegres. Dirão os céticos deprimidos: “Tudo bem, contanto que eu esteja feliz”.
Mas a felicidade é como antidepressivo. Quanto mais, menos efeito.
Em qual
pedra desse Universo indiferente ou dessa natureza cruel (lembremos, câncer é tão
natural quanto uma praia deserta) está escrito que o homem deve ser feliz? Mesmo
Freud, o grande descobridor do inconsciente, dizia que a felicidade não parece
fazer parte dos planos do Criador. Logo, quem sou eu para discordar?
Mas ninguém precisa
ser um gênio como Freud para perceber que nossos anseios de felicidade são insignificantes
diante do Universo. Azar o nosso.
Mas uma
sociedade do conforto como a nossa, acostumada a pensar que o mundo existe para
nos servir em nosso afã infantil de ser feliz, lida mal com a realidade. Falando
de novo de Freud, lidamos mal com o princípio da realidade, e ainda reclamamos
porque nosso pai não é o dono do Universo.
A dificuldade
de lidar com a realidade necessariamente cria frustrações. Já na Grécia antiga,
filósofos estoicos diziam que devíamos tomar cuidado com o desejo sem medida
porque ele faria de nós escravos dele. Quem entende de budismo (que não é o meu
caso) diz que os budistas também temem um apego excessivo ao desejo. Místicos de
todos os tipos (claro, não os da Vila Madalena que pensam que os deuses existem
para garantir a nossa qualidade de vida) sempre disseram que, e quisermos
sofrer menos, devemos nos desapegar (se você quiser saber como se diz isso em
grego, repita comigo afalé panta; em português,
“desapegue-se de tudo que existe”).
Se você pensa
que “espiritualidade” é algo inventado para você se sentir melhor consigo
mesma, vai provavelmente ficar frustrada com os deuses – porque eles não estão nem
aí para o seu medo de solidão, abandono e envelhecimento. Os deuses costumam ser
seres bem autocentrados. São imortais e não precisam fazer acordos para serem
felizes. Assim como os cônjuges muito mais ricos, mais inteligentes ou mais
jovens do que nós, os deuses pouco se preocupam com nossas frustrações, apesar
de muitos de nós continuar a gastar dinheiro com eles.
Mesmo nosso
corpo não é nosso. Calculamos nossa alimentação, comemos coisas sem gosto (é
claro que existem aquelas que afirmam que rúculas têm gosto, mas céticos como
eu tendem a assumir que rúculas são monótonas como pessoas que não sorriem para
não terem rugas na face), respiramos pouco para não gastar o pulmão, andamos em
esteiras olhando para a televisão ou a parede. Mesmo assim o corpo não é nosso.
Uma hora você quer levantar, ele não levanta e você tem de se acostumar com a frustração
da finitude.
Talvez essa
seja a maior das frustrações, a finitude. E os deuses se divertem, rindo e
dizendo: “Bem vindos à finitude, seus coitados”. E o primeiro a nos trair é o
nosso próprio corpo.
E a beleza? Hum,
essa então é terrível. O mundo está cheio de gente mais bonita, mais
inteligente e mais rica do que nós. E o pior é quando além de tudo isso essas
beldades elegantes são mais generosas e modestas que nós (muita gente frustrada
mente dizendo que beleza, dinheiro e inteligência não contam, mas sim o que
elas têm no coração...Pode uma coisa dessa?). Deveria existir uma lei que
proibisse a beleza, inteligência, riqueza, generosidade e modéstia no mesmo
pacote. Mas não existe, e a frustração contra essa “injustiça cósmica” não se
resolve parando a Avenida Paulista na sexta à tarde.
Mas nós,
esses seres supermaduros que consideram rugas uma ofensa ao nosso direito de
ser jovens forever, nos apegamos até aos nossos vícios morais dizendo que são apenas
“diversidade” ética.
Sim, cada vez mais lidamos pior com as frustrações, e
provavelmente ainda vai ficar pior porque chegará o momento em que concluiremos
que o que nos atrapalha é a nossa própria humanidade, essa coisa ineficaz e
fadada ao mal functioning. Numa sociedade
do conforto como a nossa, o brilho nos olhos sempre depende da fé na nossa
capacidade de produzir mais conforto.
Desde o ar condicionado até a energia cósmica que serve para
nos deixar mais “equilibrados” (como se fosse possível alguém ficar equilibrado
se preocupando com a felicidade e com seus próprios desejos), a matéria e o “espírito”
existem para nos dar conforto.
O futuro nos verá como uma raça de ressentidos porque criamos
um mundo no qual a infelicidade é considerada injustiça social, erro psicológico,
fracasso da ciência, engano dos deuses.
Não sou romântico n o sentido de achar que o passado era
melhor, mas não tenho nenhuma dúvida de que éramos mais maduros do que hoje,
mergulhados como somos em nossos pequenos “eus com direito à felicidade”.
Lembro-me de um conto hassídico (mística judaica dos séculos
18 e 19, do Leste Europeu) que dizia que um dia um homem justo morreu e foi se
encontrar com Deus no céu. Lá, ouviu um barulho ensurdecedor vindo de um cômodo
atrás de uma porta. O justo então perguntou a Deus que lugar era aquele. Deus respondeu:
“O inferno”. O homem então perguntou a Deus o que eles tanto gritavam. Deus disse
a ele: “Vá até lá e abra a porta”. O homem abriu a porta – e quanta surpresa
quando ouviu o que eles gritavam: “Eu, eu, eu”.
imagem: fotolog.com
Um comentário:
Carolina,
Cheguei ao seu blog quando procurava por uma imagem no google para ilustrar um texto.
Parei aqui e li alguns dos seus escritos. Gostei das suas escolhas. Voltarei.Bjs
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