quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Enfim, cínica!

O texto abaixo é de Tati Bernardi. Ela escreve artigos excelentes! Recomendo. Se prepare para dar gargalhadas em alguns. Este aí, li na revista Alfa, de junho.


ENFIM, CÍNICA
Eu gostava do rapaz. Mas, quando ele foi embora, só consegui pensar uma coisa: "Dane-se"

Terminei um namoro há cinco meses e até agora não chorei. Tentei um horário lá pra meio de março, mas não abriu nem encaixe. Mês seguinte consegui uma vaga no dia 20, as 9h da manhã. Acordei antes pra dar tempo de colocar música triste e me abastecer da melancolia de um dia cinzento...Mas tava sol e era domingo, dia de feira orgânica. Preferi comprar couve-manteiga a sofrer.

Na terapia eu forcei uma lágrima, mas a própria analista falou: "Quem você quer enganar que está mal?" Eu não estava mal. Eu estava até bem felizinha, porque as obras já haviam começado e em dois meses me mudaria para um apartamento melhor. E eu tinha reservado uma graninha pra comprar um sofá espetacular que vi numa revista fashion de decoração. Tava era bem animada. Mas como assim? Talvez quando o jorro de lágrimas guardadas rompesse as paredes da negação e chegasse com todo o seu tenebroso esplendor eu sentiria...Como um cachorro que aguarda o dono, fiquei abanando o rabinho pro drama. Vem logo me dar comida! Mas ele nunca veio. 

Maio foi minha última tentativa. Nem que dançasse em meu canal lacrimal uma meia gota em homenagem a tudo que vivemos. Foram dois anos e meio de entrega, risos, mãos dadas vendo Mad Men e conchinha até meio-dia do sábado. Era amor, vai, era sim. Eu cuidava dele com gripe e ele tinha paciência por meu medo de avião. Era amor e o amor tinha acabado e pela primeira vez na vida eu não estava com a alma em coma. Eu tinha aprendido que merdas acontecem num nível tão elaborado que não estava nem me dando conta de que tinha acontecido alguma merda. 

Nestes cinco meses, tentei ao menos olhar triste pra nossa foto que saiu da cabeceira da cama e agora mora numa gaveta junto com um resto de talco pra chulé e uma bolsa térmica furada. Você está tão bonito nela, estamos tão felizes. Mas eu andei sem tempo pra velar nosso fim, porque comecei uma reforma, dois seriados, duas peças de teatro, duas músicas e um filme.

Eu gosto da minha vida, eu gosto do meu cabelo, eu não gosto  muito da minha bunda, mas não acho isso mais tão importante. Prefiro ter alguém a estar sozinha, mas não acho isso mais tão importante. Eu gostava de você, mas não teve um único segundo desde que você foi embora que eu não pensasse: "Ah, dane-se". Ganhei uma risadinha de canto de boca. Ao estilo "putz". E quando o "putz"substitui o "caraca, ferrou, morri". É porque você virou um adulto cínico. Pode ser uma grande perda pra subpseudoliteratura nacional, mas acho que já estava na hora.

imagem: etdeperpetuer.blogspot.com

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