terça-feira, 9 de julho de 2013

O trânsito é uma arma!


Adoro pessoas sensatas! E por isso me apaixonei pelo antropólogo Roberto da Matta ao ler reportagem sobre ele na revista Trip. Embora a matéria seja de 2010, as informações são muito atuais. Na ocasião, ele acabara de lançar o livro "Fé em Deus e pé na tábua: como e por que você enlouquece dirigindo no Brasil". O tema escolhido, como se pode ver, foi sobre o nosso trânsito que mata, pelo menos, 40 mil pessoas por ano. Ontem mesmo, um motociclista morreu na frente da minha casa. Todos viram. Talvez se eu tivesse um pouco mais de curiosidade sobre a tragédia, bastaria que eu desse as caras na varanda. Triste realidade!

Da Matta já estudou o carnaval, o futebol, o jogo do bicho e grande parte da sua vida, na década de 60, os índios no interior do Pará e Tocantins. Para compreender o trânsito ruim (e que torna o Brasil o quinto pior país do mundo neste quesito), ele foi até as raízes sociais e concluiu que a nossa sociedade não aprendeu a ser igualitária nem se libertou dos traços aristocráticos. É uma elite que sempre rechaçou o transporte coletivo e adotou o carro como símbolo de superioridade social.. E que ainda tem uma mentalidade hierárquica, ainda regida pela lógica do "Você sabe com quem está falando?". 


O antropólogo começou a refletir sobre essas questões quando foi estudar em Harvard, em 1963; e lá conheceu a faixa de pedestre, o que de alguns anos para cá, virou vedete do trânsito em Brasília. Só aqui! Porque pelo que eu vi, no restante imenso do nosso País, não há respeito por ela nem pelo pedestre. Aliás, uma amiga do Rio esteve aqui e ficou espantada ao atravessar a faixa de pedestre. Quando abanei a mão e fiz sinal para que os carros parassem para atravessarmos, ela achou que eu estava chamando um táxi. Hilário! Gostou tanto que quis atravessar de novo. Figura demais!

Mas foi o convite do governo do Espírito Santo sobre educação no trânsito que deu origem ao livro do Roberto da Matta. Para ele, o título do livro foi mais que apropriado pois é a forma que o brasileiro se expressa no trânsito. "Achamos que nada vai nos acontecer, que somos protegidos por uma força superior". No Brasil, segundo o antropólogo, o trânsito representa o lado mais negativo das pessoas, acham-se superiores ao pedestre porque têm um carro; ou superior a outro motorista porque tem um carro mais moderno ou mais caro. Obedecer às leis então é tão difícil quanto, se sentem inferiores por isso, uma herança da sociedade aristocrática e patrimonalista. Não houve investimento no transporte coletivo. 


O escritor apontou soluções como falar mais em igualdade: discuti-lá e ensiná-la. Não adianta nada, segundo ele, ter um código de trânsito melhor que o sueco e ter tecnologia americana e bulevares franceses se não temos suecos, americanos e franceses para honrá-los e segui-los, disse Roberto. "Temos que preparar a sociedade para internalizar as normas no seu comportamento". 

Da Matta relembra quanto tentaram obrigar as pessoas a usarem o cinto de segurança em 1985 e nada adiantou: as pessoas tinham acabado de sair de uma ditadura e não queriam que o governo dissesse mais o que tinham que fazer. Nos anos 90, isso mudou: as pessoas já estavam preparadas para a lei. E mudaram por causa da lei, viram que o cinto protegia e deveria ser colocado. 

Lembra do acidente que levou o filho da atriz Cissa Guimarães à morte num túnel em manutenção no Rio? Pois é, ele cita como exemplo de uma sociedade ainda largamente aristocrática e "familística". Sabe por que? Porque o motorista, ao invés de ligar para o socorro, telefonou ao pai, que por sua vez, subornou a polícia. Tentou fazer valer a força do dinheiro, mas para a sua surpresa, havia a força da fama e isso equilibrou a questão: e se fosse um jovem de favela atropelado ou dirigindo? Isso seria diferente, pode ter certeza. 

O x da questão para mim (e pelo visto para ele também) é que as coisas pioraram em certo sentido. E a reportagem é de setembro de 2010. ,Mas estou falando de hoje, julho de 2013, de ontem, de um motociclista morto na frente da minha casa. Ele não foi o primeiro, mas espero que seja o último, pelo menos no lado da minha mente que é idealista. 

Roberto afirmou, na época, que as coisas pioraram e que no governo PT, vivemos uma república sindical, com o poder concentrado nas mãos de um pequeno grupo de pessoas e empresas que se aproveitam das  benesses do poder. "Mas o fato concreto e positivo é que o governo Lula domesticou o esquerdismo maluco nacional". 

Obs: Escreverei mais sobre o antropólogo Roberto da Matta em outro post. Ainda há muita informação importante sobre os ensinamento dele, mas não sobre o trânsito, que quero compartilhar aqui.

imagem: facebook.com

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