sexta-feira, 8 de maio de 2009

Carta de amor


ALINE,

Sua carta me tirou o sono ou talvez tenha acentuado a vontade de não dizer nada. Não quero dizer tudo de uma vez. Os casais vivem querendo dizer tudo e não reservam intimidade para estranhar depois. São capazes de virar a noite só para tirar a limpo uma palavra rude ou uma evidência de infidelidade. Somos todos patéticos. Apenas concentramos as forças para nos destruir. Na hora de se ajudar, nos dispersamos. Se aquela noite em que queimamos o estoque de palavrões para um xingar o outro fosse utilizada para uma longa distração de mãos dadas, não acordaríamos tão cansados. Mania de grandeza. Mania de pureza. Desejo te preservar de mim que às vezes exagero no distanciamento. Já te contei que eu me acho ridículo quando levo tua lista ao supermercado? Levanto o papel discretamente do bolso para conferir se peguei as coisas certinho. Não entendo tua letra e sou obrigado a aproximar a folha como um óculos. Um dia, vi as caixas rindo do meu jeito. Como não rir? Meu talento sempre foi o de confundir e complicar. Não sei separar o que vivi do que imaginei ao teu lado. Um dia que não te conto não existiu. Eu não tenho passado. Meu passado também foi pressentimento de ti.

Com amor,

Fernando
(por Fabrício Carpinejar)

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Ontem, brigamos! Perdemos energia um tempão numa guerra de egos. Ele ficou nervoso e brigou na rua. Fui a culpada.

Será que sempre tenho competência de entregar uma lista de supermercados com letra ilegível aos homens que estão ao meu lado? Sinto-me culpada. Eles se sentem ridículos como o Fernando da carta acima. Acham que as caixas estão rindo do jeito deles.

Não foi a primeira vez que alguém me resumiu como prepotente no sentido de diminuir as pessoas. Juro que se fiz isso, de verdade, não foi por querer. Não percebi!

Ás vezes, como diz Carpinejar, desejo preservar os outros de mim pois, às vezes, exagero no distanciamento.

Me sinto culpada!

Acho que sou má de verdade!


imagem: http://poetrysfeelings.files.wordpress.com/

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